Sarah Ghedin Orlandin | 07 de Novembro de 2014
A usucapião urbana especial está prevista no artigo 183 da Constituição, no artigo 9º da Lei 10.257/01 e no artigo 1.240 do Código Civil, este último apresenta a seguinte redação: Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
O texto legal supra é bastante explicativo, porém é válido destacar que para que seja possível a aquisição do bem imóvel em razão da usucapião urbana especial, os requisitos devem ser cumpridos de forma cumulativa.
Entretanto, há bens que não podem ser sujeitos a usucapião, nestes estão inclusos os bens públicos, assim como aqueles que são objeto de operação financeira no bojo do Sistema Financeiro de Habitação.
Nesse vértice, vale dizer que o Sistema Financeiro de Habitação visa facilitar o acesso da população de baixa renda à casa própria, por meio de um financiamento com melhores taxas, assim a legislação buscou proteger os imóveis adquiridos pelo Sistema Financeiro de Habitação das ocupações irregulares.
É o contido no artigo 9º da Lei 5.741/71:
Constitui crime de ação pública, punido com a pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa de cinco a vinte salários mínimos, invadir alguém, ou ocupar, com o fim de esbulho possessório, terreno ou unidade residencial, construída ou em construção, objeto de financiamento do Sistema Financeiro da Habitação.
O amparo destacado busca proteger os recursos públicos, pois o bem imóvel garante o adimplemento do negócio jurídico em muitas vezes.
Assim, entendeu a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e a Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região respectivamente:
DIREITO ADMINISTRATIVO. USUCAPIÃO URBANO. ARTIGO 183 CF. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS. IMÓVEL FINANCIADO PELO SFH. IMPOSSIBILIDADE. 1. O usucapião especial não tem por objeto “imóvel”, como ocorre com o usucapião ordinário ou o extraordinário do Código Civil, mas especificamente “área urbana”, ou seja, lote ou terreno. Não se aplica, evidentemente, às situações de ocupação de imóvel, cuja aquisição foi financiada pelo SFH. 2. Não se pode admitir que ocupantes clandestinos de imóveis financiados no âmbito de programas habitacionais governamentais, como é o caso do SFH, possam adquiri-los mediante usucapião, pois aí ficarão prejudicados todos os que dependem do retorno dos recursos mutuados para também serem beneficiados e terem acesso à moradia. 3. A autora nunca esteve vinculada ao agente financeiro por nenhuma relação jurídica, nunca teve posse com ânimo de dono, limitando-se à ocupação ou detenção. 4. Considerando a data da propositura da ação e a posse mais remota comprovada, verifica-se que não se passaram 5 anos, não preenchendo assim, a autora, o requisito exigido pelo artigo 183 da CF. (TRF4, AC 2000.71.00.026228-0, Quarta Turma, Relatora Marga Inge Barth Tessler, D.E. 13/10/2009).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. USUCAPIÃO. IMÓVEL PERTENCENTE AO SFH. PROTEÇÃO CONTRA OCUPAÇÕES IRREGULARES. AUSÊNCIA DE ANIMUS DOMINI. DESTINAÇÃO DO SFH À CONDUÇÃO DA POLÍTICA HABITACIONAL.
- Tratando-se de beneficiário da justiça gratuita, o presente recurso merece ser conhecido independentemente de preparo.
- A decisão de primeira instância está lastreada na análise do conjunto probatório carreado aos autos principais, estando devidamente fundamentada. Diante disso, e tendo em vista que o ora agravante não logrou demonstrar com provas concretas o desacerto dessa decisão, seus fundamentos devem ser mantidos.
- A hipótese de usucapião urbana especial, prevista no art. 183 da Constituição, no art. 9º da lei 10.257/01 e no art. 1.240 do Código Civil, não exige justo título ou boa-fé, mas somente a inexistência de outros imóveis em nome da pessoa interessada e sua ocupação por cinco anos, para fins de residência familiar.
- De igual forma, a outra espécie de prescrição aquisitiva de que se vale a apelante, qual seja, a usucapião extraordinária, prevista no antigo art. 550 do Código Civil de 1916, também independe de justo título ou boa-fé, necessitando tão apenas que a pessoa ocupe o imóvel pelo período de vinte anos, sem interrupção ou oposição, comanimus domini.
- Entretanto, não é possível singelamente ignorar que o imóvel pretendido pertence a um empreendimento objeto de financiamento pelo Sistema Financeiro de Habitação – SFH, concedido pela Caixa Econômica Federal, tendo a hipoteca como garantia do mútuo. Trecho da decisão do Juízoa quo(Fls. 47v).
- Como o imóvel em comento constitui objeto de operação financeira no bojo do sistema financeiro de habitação, merece proteção contra eventuais ocupações irregulares, consoante prescreve o art. 9º da Lei n.º 5.741/71. Precedentes do E. TRF-4, do E. TRF-2 e deste E. TRF-3.
- Ausente, portanto, o requisito da intenção de ter a coisa para si (animus rem sibi habendiouanimus domini). Com isso, inviável a satisfação da pretensão recursal.
- O SFH é destinado à condução de política habitacional que beneficia a população de baixa renda e, neste sentido, preservar as receitas derivadas do adimplemento de mútuos propicia a manutenção de recursos públicos necessários a implantação de empreendimentos habitacionais no país.
- Manifestação do Ministério Público em sentido semelhante (Fls. 141).
- Agravo de instrumento conhecido e não provido. (TRF3, AI 0033603-25.2012.4.03.0000/SP, Décima Primeira Turma, Relator José Lunardelli, publicado em 22/09/2014).
Vislumbra-se dos julgados em destaque que houve o cuidado de resguardar o bem de possuidores clandestinos, considerando que todos que dependem do retorno dos valores do Sistema Financeiro de Habitação podem ser lesados.
De outro vértice, sendo admitida a ocupação por usucapião é certo que a função social do imóvel urbano seria ofendida, pois este princípio vai muito além do aspecto urbanístico, também atendendo ao lado econômico, em decorrência da evolução social.
A terra não é mais uma preocupação particular, motivo pelo qual deve atender a coletividade, assim a usucapião de bem adquirido com recursos do Sistema Financeiro de Habitação trás prejuízos a coletividade, em detrimento de um particular específico, pois o imóvel é a garantia do retorno dos recursos.
O animus domini, requisito indispensável para a aquisição do imóvel urbano por meio da usucapião urbana especial, é prejudicado quando o imóvel invadido possui restrição do Sistema Financeiro de Habitação, pois é impossível possuir a coisa como proprietário se há conhecimento de que esta é de outrem.
Pois bem. O objetivo precípuo é a proteção do Sistema Financeiro de Habitação pautando-se na lesão da coletividade, o que vai ao encontro do princípio da função social do imóvel urbano.